O Conselho de Administração (CA) como catalizador de mudança organizacional

Entendo que hoje, em função das leis vigentes, cada vez é mais necessário que as empresas possuam seus CAs. O próximo passo, que é fazer com que o conselho seja um agente de mudança que realmente contribua para o sucesso e a prosperidade do negócio, não pode ser garantido por leis. Para que isso aconteça, há um trabalho sério e dedicado não apenas dos acionistas e executivos, como também e principalmente dos conselheiros. O risco de isso não ser feito é reunir uma série de camaradas com competência teórica e prática superlativa e não aproveitar dessas competências para que a empresa vença. Esse final de semana aliás, assisti a minissérie no Star+, “The dropout”, sobre o assustador fracasso da Theranos. Não vou dar nenhum tipo de spoiler, mas essa história (verídica) demonstra que apenas ter conselheiros excelentes não resolve. Se eles não atuarem de forma sólida e muito bem embasada, podem até prejudicar o negócio, acobertando mudanças que porventura se façam necessárias. Para quem não viu ou não lembra, a Theranos tinha no CA Samuel Nunn, James Mattis, George Shultz, William Perry e Henry Kissinger, entre outros! Retomando o título deste artigo, para que o CA seja um catalizador de mudança organizacional, ele deve desafiar, perguntar e sugerir possíveis caminhos para o futuro e o sucesso. Vamos falar desses três pontos.

Sobre desafiar. Ao analisar e debater os orçamentos da empresa, cabe ao conselheiro exercer um papel ativo, no qual além de estudar atentamente as informações oferecidas (e demandar esclarecimentos ou pareceres sempre que necessário), ele deve ter uma postura crítica, para evitar que os executivos que estão à frente da operação assumam uma abordagem complacente e defensiva, que imobilize a empresa a ponto de ela não realizar o seu potencial. Me lembro no Vita Ortopedia e Fisioterapia, que quando assumi o cargo de conselheiro, encontrei o diretor financeiro muito resistente a mudanças na operação. Quando ele, após muitas reuniões e aconselhamentos, acabou por sair da empresa, seu substituto, com um outro olhar sobre as sugestões do conselho, conseguiu liderar um crescimento de rentabilidade nunca visto antes pelo negócio.

Destaco que, para que esses desafios sejam aderentes a realidade do negócio, cabe aos conselheiros terem uma postura quase socrática, perguntando tudo. Em primeiro lugar, é impossível para eles conhecerem a operação com o mesmo detalhe que um executivo que está à frente do negócio. Ao perguntar, ele adquire mais propriedade para sugerir estratégias e táticas complementares e alternativas vislumbradas a partir de sua experiência pregressa (e que não estejam sendo endereçadas pela gestão) e também estimula os executivos a eles mesmos, refletir sobre como podem entregar um melhor resultado. Ainda no Vita, uma oportunidade era melhorar o serviço dado pelos profissionais de atendimento, para que a jornada do paciente fosse extraordinária em todas as suas etapas. Sugeri que fosse implementado um programa da gestão da qualidade total em vendas, com metas e processos-chave a serem realizados pelo time, acompanhados de treinamentos mensais de temas como “conhecimento profundo do cliente” e “venda persuasiva”. Além disso, o cumprimento destas (metas e processos) passou a ser atrelado a uma remuneração variável. O resultado é que com a motivação decorrente, mesmo durante a Pandemia, a rentabilidade seguiu crescendo, o que culminou com a venda da empresa para o Fleury em 2021.

Espero ter contribuído com essa reflexão para o desenvolvimento de CAs mais fortes e úteis. Desafiar, perguntar e sugerir são as palavras-chave que deixo para vocês. Gostaria de receber o feedback de vocês sobre o artigo e conhecer a sua visão sobre o tema. Vamos com garra absurda!

Rodrigo Guimarães Motta
Conselheiro de Administração
Doutor em Administração

O Conselho de Administração (CA) como catalizador de mudança organizacional